Pronunciamento do Dr. Nelio Machado, criminalista e Presidente do Conselho Penitenciário do Estado

Antes de mais nada, dirijo-me aos companheiros de mesa, sentindo-me honrado por participar deste evento.

Não me considero merecedor da distinção, reconhecendo a proficiência muito maior daqueles que me precederam e da manifestação que virá em seguida, da professora Julita Lengruber, cujo papel de vanguarda, ao preconizar a adoção das penas alternativas, como caminho conseqüente para o direito penal brasileiro, é merecedor de todos os elogios, superando-se a situação perversa de nossa realidade prisional.

Antes de mais nada, sou obrigado, por dever de consciência, a fazer um registro, que me parece relevante.

O evento teve um ponto que me deixou estarrecido.

Tive conhecimento de que o convite para o evento foi distribuído a todos os membros do Ministério Público do Rio de Janeiro; igualmente, para todos os magistrados do nosso estado e, efetivamente, a constatação que se tem igualmente aos defensores públicos, presumo que o mesmo em relação ao colegiado da nossa Ordem dos Advogados.

O plenário é qualificado, sem dúvida nenhuma.

Há, aqui, expressões da mais alta qualificação que se ocupam todos eles do assunto em debate. No entanto, nós sabemos que a realidade em que atua o direito criminal transcende o número, evidentemente, das pessoas aqui dispostas a tratar desta questão.

A grande realidade, é que esse assunto, como disse o nosso professor americano, a questão da prisão, a questão de se saber o que se faz ou não com um preso, não importa, salvo na referência repressiva, quando o enfoque é buscar uma solução inteligente, buscar uma alternativa válida, uma alternativa eficaz, uma alternativa que não corresponda ao discurso político e reacionário e conservador: aí, não interessa.

Ainda agora, no Rio de Janeiro, houve um célebre julgamento. Eu desconheço detalhes da sessão em que o caso se apreciou. Um crime dramático, um crime bárbaro, um crime inaceitável, um crime repulsivo. Porém, a resposta que se encontrou, como efeito bombástico e irreal e fora da realidade, foi a aplicação de uma pena de 450 anos de prisão. Nem o país tem tal idade. Como se o Código Penal não contemplasse a figura do crime continuado, como se não houvesse a possibilidade de se estimar a pena num valor ou numa cifra correspondente a uma efetiva aplicação do que tenha sido o resultado da apreciação do Conselho de Sentença. Então, a grande questão que se põe antes de mais nada é a seguinte. O que se faz, o que se propala, o que se vê não é necessariamente para funcionar e muito menos para que se tenha um efeito correspondente ao que se preconiza como ideal, antes publicitário do que realístico. Vejam a questão da elaboração das leis. O eminente professor Damásio citou episódios da lei dos crimes hediondos. Disse até, sua excelência, que ele havia colaborado para a formalização da lei. No entanto, os fantasmas do Congresso Nacional teriam modificado a sua proposta de tal modo, que ela se tornou algo absolutamente… (não inteligível???).

Mas eu indago, de antemão, se nós, brasileiros, que sabemos da profissão das leis, da febre legislerante que nos caracteriza, se é fazendo novas leis que vamos resolver o nosso problema criminal.

A lei dos crimes hediondos é de 1990, depois fizeram uma outra lei, a lei dos crimes de especial gravidade, ou pelo menos se cogita de fazer.

Fez-se agora uma lei absurda a respeito da escuta telefônica, que é a antítese da garantia constitucional, em resposta emocional a decisões corretíssimas de nossa Suprema Corte, não aceitando, como fazem os países civilizados, a prova ilícita que a nossa Constituição veda e o certo é que de desvios institucionais em desvios institucionais, nós estamos querendo escrever uma realidade utópica e que não corresponde à realidade de nenhuma nação.

As leis, já dizia o nosso Rui Barbosa, devem ser feitas com vagar e sossego.

Aqui não: há um episódio, um crime, que de certa forma sacode a opinião pública – muda-se a lei, altera-se a lei, inventa-se um rigor maior, invertem-se as garantias processuais, presume-se a culpabilidade, ao contrário do que determina o mandamento constitucional. Então nós temos, na verdade, uma inversão do processo natural das coisas.

Por exemplo, é admissível que um processo legislativo se faça sem a imperfeição humana que caracteriza a representação popular?

Evidentemente que não.

Por mais conspícua que seja a comissão encarregada de elaborar o projeto, esta comissão não tem a legitimidade de fazer a lei, porque a lei resulta da vontade popular, e a vontade popular se explicita através dos representantes que nós elegemos, que não são doutos.

Então não adianta fazer um novo Código Penal, uma nova Lei Processual, como se por novas leis, todos os problemas viessem a ser resolvidos.

A nossa problemática prisional nada tem a ver, por exemplo, com esta Lei 9.099, que todos preconizam, que todos aplaudem, que todos festejam, que todos supõem que seja fantástica, verdadeira panacéia contra a questão do direito criminal e da insegurança nas cidades, quando nós sabemos – nós que estamos no Conselho Penitenciário, e temos aqui vários colegas – que nenhum dos presos do sistema penal será beneficiário da Lei 9.099.

Nenhuma taxa de reincidência tem relação direta com a aplicação desta lei, que está traduzida na criação de sofisticadas estruturas, caras, onerosas, e que não trazem benefício algum para a sociedade.

São delitos leves, em relação aos quais ou os réus são absolvidos ou a polícia não procede, atuando numa arbitragem semelhante àquela solução citada pelo governador em sua fala inicial, quando um guarda determinou que se limpasse a pichação, quando esse guarda, na realidade, agiu ao arrepio da lei, mas sem a violar na essência; como salientou o professor Damásio, aquele conceito de antijuridicidade substancial que deve permear a conduta da defesa, a conduta proibida, de modo a justificar a incidência rigorosa da lei penal, lei penal que nós aprendemos como se fosse ela a última ratio, a ratio finale, a razão derradeira, a alternativa final e que na prática hoje nós vemos exatamente o oposto.

Ontem eu vivenciei alguma coisa que os livros não contam, mas que a realidade mostra na nossa cara. Eu fui vítima de um crime violento: fui assaltado. Levaram meu automóvel. Eu liguei para o número 190, na suposição daquela eficácia imediata da telefonia. No entanto, quando fui ter na delegacia competente, lá não sabiam de coisa alguma.

Repetiu-se a comunicação e a comunicação foi feita para, de certa forma, registrar o que supostamente registrado já tinha sido, e não fora, e eu indaguei sem me identificar, na 14ª DP, sem dizer que eu sou presidente do Conselho Penitenciário: quantos presos têm aqui? Quantas são as pessoas detidas na 14ª DP, bairro nobre do Leblon, no Rio de Janeiro? Disse-me o policial: 400 pessoas. Indaguei: quantas vagas? Em torno de 160.

Os juízes que cuidam da condenação criminal, evidentemente, não se dão conta disso. Ainda, recentemente, em simpósio do qual participei, promovido por um diário desta cidade, o jornal O Dia, vários dos presentes lá estavam, e eu disse: se a constituição garante a preservação do direito qualquer do povo em relação à sua locomoção, e se alguém está preso em condição mais gravosa do que aquela determinada no julgado, por exemplo, no regime fechado, quando a apelação foi no aberto, ou no fechado, quando a imposição do juiz, com base na lei, foi no sentido diametralmente oposto, o que fazer?

Por que não conceder a ordem de habeas-corpus de ofício, por que não colocar na rua, havendo, sim, um investimento social, quando a situação do egresso (não inteligível???), a construção de novas prisões, mas não numa perspectiva de se aumentar a população prisional, como fazem, com erro, como salientou o nosso colega dos EUA, esquecendo-se que a prisonização é um mal maior que a prisão: as pessoas saem, de ordinário, muito pior do que entraram.

Eu não preconizo para o homem que ameaçou ontem a minha vida, que ele fosse colocado naquela cadeia com 400 pessoas. Eu cogitaria até de uma pena alternativa para ele. Ou, se a incolumidade pública estivesse efetivamente ameaçada, como esteve, no caso pessoal falo como vítima, e com isso criei um argumento novo, porque quando faço a pregação liberal, me indagam, não raro, mas se fosse o senhor? Ou a sua família, a vítima? Isto não muda nada. Porque evidentemente isto é uma conseqüência de uma desigualdade social, de uma situação anacrônica e que só fez piorar nesses últimos 20 ou 30 anos a nossa realidade.

O sistema penal dirigido pela Julita tinha algo em torno, salvo engano, de 8.500 presos. Hoje nós temos na verdade 20 mil pessoas encarceradas no Rio de Janeiro, das quais, 7 mil em delegacias policiais, e a despeito do esforço do desembargador Loretti, um humanista, um humanista por inteiro, ele, por mais que se dedique a buscar recursos com a Sandra, buscar recursos com o ministro Milton, o que sucede?

Não há cadeias que bastem e vai haver mais encarceramento e maior criminalidade, porque essa resposta é uma resposta irracional e que não melhora a sociedade em absolutamente nada.

As leis são feitas com as imperfeições humanas. Na Inglaterra sei que a Constituição não é escrita, nos leva a João sem terra; nos EUA a Carta é de 1777, ou 76, posso estar errado, que me corrija o nosso professor. No Brasil, nós fizemos uma Constituição, dita cidadã, em 1988.

Ainda há pouco, o professor Damásio mencionou o descompasso da interpretação do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça quanto ao problema do preso que esteja numa condição ilícita e ilegal. Então é loteria. Se ele bater à porta do Superior Tribunal de Justiça será protegido. Se bater à porta do Supremo, não. Que modelo é este? O que pretendemos com esse desatino, com essa idéia? Ainda agora recebi uma lista com 59 medidas alternativas coletadas pelo professor Damásio. Como se as penas alternativas pudessem fugir da racionalidade. Porque a grande verdade é que deve haver o bom senso, como disse o nosso colega dos EUA. A atividade jurisdicional tem que ser conseqüente, tem que ser finalística. A comunidade deve participar das soluções, entendendo-as, propondo caminhos, propondo alternativas, e não com essa sofisticação, esta Lei 9.099.

Por exemplo, como salientado por antecessor aqui nesta mesa, sete interpretações diferentes nos tribunais, e muitos conclaves, e muitos livros e muitas palestras, mas nenhuma eficácia prática. Talvez, uma simples norma modificando o nosso Código de Processo Penal pudesse ter um resultado muito mais conseqüente, do que tudo que se tem dito a respeito dessa questão, de se fazer mais cadeia e de se preconizar um direito penal que é mínimo nos discursos, nas academias, mas que é máximo na atuação político-partidária, que se observa no cotidiano da nossa realidade brasileira.

Nós, na verdade, podíamos imaginar, por exemplo, o quê? Que se determinasse, muito além daqueles limites rígidos da revisão criminal, que nunca é concedida, que quem advoga sabe que os tribunais não são sensíveis a ela, na qual se reclama a demonstração de que a decisão agride a existência da prova, e os tribunais não estão dispostos a reconhecer o seu próprio erro. E a revisão é destinada ao próprio tribunal, que proferiu a decisão anterior. Mas por que não? Imaginarmos, por exemplo, que desde que cumprido um limite mínimo da pena, fosse possível uma revisão, não do processo, mas sim da pena. A revisão da pena aplicada, não 400 anos que o Brasil quase não tem isso de idade. Não 30 necessariamente, porque já se viu com a experiência da pesquisa norte-americana, e eles sabem fazer pesquisa muito melhor do que nós, não só pelos recursos, mas também por uma tradição empírica de verificar a exatidão dos fatos, e eles já chegaram à conclusão de que com um mês de cadeia ou com um ano, ou dez anos, os efeitos malévolos e maléficos são inevitáveis. Então porque insistir no erro que eles cometeram e já se deram conta de que é um caminho equivocado?

Nós temos aqui, por exemplo, a idéia de que a comunidade deva participar. Está presente o Dr. Belísio, juiz da vara de execução penal. Sabe ele, como sei eu, da dificuldade operacional para se fazer um conselho de comunidade, e a nossa comunidade não é a inglesa, não é a norte-americana, de Miami ou de Nova Iorque, é uma comunidade pobre, que ganha menos de um salário-mínimo por mês, uma sociedade que não tem água, esgoto, saúde, alimentação, segurança. Como faremos este conselho da comunidade, que vai se dirigir exatamente a esta quantidade de pessoas do sistema penal, 75% dos nossos presos respondem por crimes contra o patrimônio, direta ou indiretamente, porque eu considero tráfico de drogas, na nossa realidade, um crime contra o patrimônio, porque vão para este tipo de atividade aqueles que pretendem na verdade se locupletar com essa prática nefanda, e é hoje concorrente o tráfico de drogas do crime de roubo à mão armada. E depois vem o furto. São 70, 75% dos presos, que quando saem, o patronato funciona?

Não, por mais que se dediquem todos os que participam do governo, os governos mudam, as políticas se alteram, o interesse jornalístico, por exemplo, era total hoje de manhã, quando estava presente o ministro da Justiça, o governador do estado. Agora no debate técnico talvez não tenha mais ninguém da imprensa. Onde é que estão os jornalistas? Onde é que estão aqueles que são encarregados de veicular a reflexão das pessoas que se dedicam a este assunto de forma científica e não ocasional? E não com o objetivo de dizer algo que amanhã seja estampado nas folhas dos pasquins da vida. Não há mais interesse.

Em 90, houve um seqüestro de um empresário, por sinal é meu cliente, Medina, não era na época. Medina, então, em razão da sua situação social gera uma comoção. Como Glória Perez gera depois. Como agora um episódio em Teresópolis gera outra repercussão. Morreu o filho de um prefeito. Como se eu tivesse sido vítima, talvez, de uma barbaridade ontem, que talvez gerasse outra repercussão. Mas a verdade é que nós não podemos resolver de forma casuística, nós temos que interpretar essa fenomenologia toda dentro de uma realidade científica.

O livro clássico de Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, foi escrito em 1924. E uma segunda edição saiu em 1940. E o que fala ele da elaboração das leis? Diz ele: perdem tempo aqueles que vão buscar a vontade do legislador, a vontade do legislador é um mito. Às vezes é atendimento a um interesse momentâneo, menor, secundário, não relevante. A lei ganha vida própria. A interpretação há de ser nos tribunais e da realidade social. Nós não precisávamos mudar, pois penas alternativas constam da nossa lei penal desde 1984. E apenas 2% dos julgados nossos seguem a vereda ou contemplam a pena alternativa como solução inteligente e eficaz para o problema da criminalidade.

Eu, evidentemente, não estou aqui preconizando o abolicionismo do Direito Penal. É claro que as medidas despenalizadoras, as medidas descriminalizantes, elas devem ter lugar.

Nesta mesma delegacia de ontem, dos 400 presos, existiam meninos presos por cigarro de maconha. Alguns seriam liberados e um ficaria porque, supostamente, teria sido o adquirente que passou aos outros. Ao invés de procurarem o que armado estava, o que armado ameaçou a vida alheia, estavam preocupados com um fato que, do ponto de vista penal, não tem nenhuma relevância.

Não é o discurso histérico da droga que vai justificar a inversão completa do que é razoável e do que é claro aos olhos dos que os tenha para ver. Nós temos que pensar na realidade das nossas cadeias como uma espécie de um câncer que nos atinge dia-a-dia, algum vírus que se irradia de maneira incontrolável, porque nós fechamos os olhos a essa realidade: presos em delegacias policiais.

Se nós recorrermos à lei, muda-se tanto a lei, e tanto se quer alterar a lei, para que ela traga mais interpretação conflitante, quando nós tínhamos, por exemplo, eu já tenho dito isso por aí afora e não me sinto mal em repetir, que o registro é relevante.

A nossa Constituição de 1824, quando ainda vivíamos no Império, dizia ela, no capítulo dos direitos e garantias fundamentais, que as cadeias deveriam ser limpas e arejadas. Indaga-se: elas o são, hoje? Com a carta-cidadã de 1988, que segue os melhores modelos, mas nós temos a lei no livro e a lei em ação. O que interessa é a lei no livro, o que interessa ao simpósio, ao conclave, são os congressos internacionais, e não atuar diante desse estado caótico que nos caracteriza.

Nós precisamos, efetivamente, mudar a realidade. Para mudar temos que ter coragem, coragem política, coragem de olharmos para nós próprios, assumirmos as nossas culpas, as nossas omissões, os nossos pecados, as nossas falhas.

Quando se cogitou, no Rio de Janeiro, de se acabar com a Vara de Execução Penal, não porque o juiz que lá estivesse fosse deficiente, mas porque hoje existem 90 mil processos na Vara de Execução Penal que são inadministráveis. E cogitava-se, naquela ocasião, de dizer: quem condenou que vá cuidar do seu preso, vai ser o guardião da pena legal e não da pena arbitrária, injusta, abusiva e demasiada, e desumana e incompatível com as garantias da Carta política do Brasil. É muito mais fácil que 40, 50, 100, 200 magistrados cuidem de verificar se aquela sua decisão está sendo cumprida ou não, do que imaginar-se que um herói, que uma pessoa com uma capacidade sobre-humana vá corrigir o que é insusceptível de qualquer possibilidade de correção.

Hoje, até já penso que não adianta acabar com a Vara de Execução Penal: que ela fique, que ela continue, mas que as novas condenações sejam objeto de atuação do juiz encarregado de julgar o caso. Como fazem com o patrimônio. Quando alguém é condenado a pagar uma locação que inadimpliu, um contrato que desrespeitou, quem é que vai verificar a correção do julgado quanto à sua eficácia e a sua aplicação? O juiz do processo de conhecimento. Se assim é com o patrimônio, por que não com a liberdade? Por que não com a dignidade humana? Por que não com seres que, afinal de contas, se transgrediram, o fizeram em face de vicissitudes as mais diversas?

São problemas que têm que ser investigados numa abrangência muito maior. Porque com a forma pela qual se julga no Brasil, ficarão estarrecidos os ingleses e os americanos, que conhecem a instituição do grande júri, o júri da acusação formal, o júri da condenação, o debate amplo, a presença do réu, o direito do réu a seu dia na Corte, em que ele é ouvido, com as garantias de que cada atenção lhe será devotada, com a mesma relevância que se presta aos legítimos interesses dos vitimados ou dos familiares da vítima, aqui, pasmem, nós temos, a despeito da Constituição belíssima no seu enunciado, de 1988, o nosso diploma processual, a nossa lei processual é do Estado Novo, é de 1941, quando nós tínhamos o Congresso amordaçado e fechado, quando nós tínhamos um preso, como foi o caso de Prestes, em favor de quem o saudoso e legendário advogado Sobral Pinto teve que pedir a proteção da lei dos animais em favor do seu constituinte.

Esta lei que determina que o procedimento seja escrito, em que o Juiz não vê o rosto, como agora o Fujimori, por exemplo, no Peru, eu não sei das circunstâncias, mas tudo leva a crer que tenha havido excessos, lá se instituiu a figura do juiz sem rosto, do juiz que não olha o réu. Mas nós temos algo de parecido. Porque o juiz que faz concurso e toma posse de uma vara, pode receber um processo concluso para sentenciar, sem ter visto o réu, sem tê-lo interrogado, sem ter colhido a prova, sem ter ouvido a acusação, sem ter ouvido a defesa.

Como é que nós vamos melhorar este sistema penal, desta forma? Quem é que vai à cadeia? Quantos juízes criminais conhecem as cadeias? Está lá o Biondi, que me levou outro dia, na qualidade de integrante, como eu, do Conselho Penitenciário. Estivemos lá visitando o hospital de aidéticos, o Hospital Henrique Roxo. Estamos começando a verificar a realidade de nossas cadeias e o papel do Conselho não é um papel meramente formal de se verificar se alguns direitos devem ou não ser reconhecidos. E nós somos compelidos a atender formalmente pedidos de liberdade, muitas vezes sem sabermos ao certo se estamos fazendo o bem ou o mal. Porque não há uma estrutura mínima. É muito mais barato e muito mais conseqüente cuidar do egresso do que fazer cadeias. Mas os governos preferem as cadeias. Preferem porque querem? Não. Preferem porque a situação é de tamanha envergadura, a problematização chegou a um patamar tão insolucionável, que a medida digna, humana, é aquela que o Ministério da Justiça faz.

Com a presença da Sandra Valle, do ministro, do Paulo Tonet, que tem um discurso absolutamente afinado com tudo isso, mas eu pergunto, o Judiciário tem esse discurso? Não. Nós estamos na vanguarda. Os misoneístas, lamentavelmente, são muitos dos magistrados, muitos dos membros do Ministério Público, muitos defensores públicos, muitos advogados, que não estão se dando conta de que esse problema transcende a todos nós. É uma questão de coletividade. É uma questão de uma mentalidade nova e nós não podemos dormir em paz, sabendo que pessoas têm que se revezar, uns em pé, outros sentados, sem necessidades fisiológicas minimamente satisfeitas, sem apoio material o mais elementar.

E nós imaginamos que com isso a pena possa ressocializar. Eu não sei se a pena não pode levar à reeducação. Eu acredito que possa, desde que ela seja uma pena humana, e não uma pena de animais para animais.