O Mito da Redução da Maioridade Penal

NELIO ROBERTO SEIDL MACHADO – Advogado Criminalista

A questão da maioridade penal sempre causou polêmica no Brasil, pois saber se o menor é ou não capaz de entender as conseqüências dos seus atos e responder integralmente por eles é um tema, no mínimo, tormentoso.

Não se pode negar que a delinqüência juvenil, nos últimos anos, tenha crescido em volume. Além disto, os crimes de violência e tráfico de drogas ultrapassaram em muito aqueles de menor gravidade. As estatísticas das varas especializadas, ao menos no Rio de Janeiro, dão conta de que o furto cedeu lugar ao roubo, e a posse e ou uso de entorpecentes foram ultrapassados largamente pelo tráfico. Se em 1995 os processos relacionados a menores entre 12 e 18 anos somavam pouco mais de dois mil, estes hoje em dia já ultrapassaram os seis mil.

A sociedade como um todo – famílias, mídia, políticos – reage emocionalmente, na busca de soluções imediatas que atenuem a gravidade dos nossos problemas. Esta reação, que se revela por meio dos pleitos pela adoção da pena de morte e o recrudescimento das punições, encontra caminho óbvio com relação a penalização dos menores, rebaixando-se a idade a partir da qual tornar-se-iam eles passíveis de processo e pena criminal por seus atos.

Esta faixa etária, fixada atualmente a partir dos dezoito anos, tem como punição uma inevitável prisão, pois as penas alternativas para adultos já existem e elas correspondem, de certo modo, às atuais medidas sócio-educativas de não internação impostas em desfavor dos adolescentes.

A ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE MAGISTRADOS DA JUVENTUDE E DA FAMÍLIA, com sede em Genebra – em seu 12º congresso, realizado no Rio de Janeiro, com 796 participantes de 34 países – foi peremptória ao proclamar que “a idade da responsabilidade penal do menor deve ser sempre aumentada e jamais diminuída”, sendo tal recomendação repetida nos congressos subseqüentes.

Publicação da DelRey intitulada “Idade da Responsabilidade Penal”, organizada por HEITOR PIEDADE JÚNIOR e CÉSAR BARROS LEAL, alinha opiniões baseadas no conhecimento científico de CLEONICE MARIA RESENDE, EROS GRAU, FRANCISCO CLÁVIO SARAIVA NUNES, GERCINO NETO, GODOFREDO TELES JÚNIOR, HELENA RODRIGUES DUARTE, JOÃO BATISTA COSTA SARAIVA, JOÃO BENEDITO AZEVEDO MARQUES, MÔNICA CUNEU, MUNIR CURY, RENÉ BERNARDES DE SOUZA, SAULO DE CASTRO BEZERRA, TARCISIO MARTINS COSTA, EDUARDO REALI FERRARI e dos próprios organizadores, todas defendendo a permanência da idade em dezoito anos.

Ainda no setor de opiniões jurídicas favoráveis à posição de manutenção da maioridade penal atual, é imperativo citar o parecer do CONSELHO FEDERAL DA OAB, redigido por NABOR BULHÕES e preleção de CÉSAR BARROS LEAL, aprovado pelo CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA, de dezembro de 2000.  Aditem-se ao aludido parecer, o Manifesto da ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES PARA A DEMOCRACIA e outras 27 entidades, além da posição do CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – CONANDA –, bem como o posicionamento da CNBB, entre outros incontáveis pronunciamentos.

Doutrinadores, juristas e estudiosos buscam demonstrar que a solução para este problema da violência juvenil segue outra inteligência, qual seja, que a injustiça parte da falta de formação cultural, de educação de base, da grande desigualdade social e conseqüente má situação social das camadas mais pobres da sociedade, da impunidade e da péssima estrutura do sistema carcerário brasileiro.

Pois bem, sob o prisma legal, a redução da maioridade para fins de responsabilização criminal tem estatura constitucional, sendo discutível para alguns, se estamos diante de cláusula pétrea ou não, valendo lembrar que mesmo não tendo a COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS acolhido tal entendimento, não pensamos da mesma forma e, sem tergiversar, acreditamos que a mantença do critério legal em vigor é imperiosa, não podendo ser modificado por emenda constitucional, resguardada a vontade do legislador constituinte. Ademais, cumpre observar que nenhuma lei deve ser modificada tão-somente à conta de casuísmos, mas ao contrário, deve resultar de ponderada reflexão.

Neste sentido, não se deve ignorar o conceito de inimputabilidade penal trazido pelo Código Penal Brasileiro, em seu artigo 27, que determina a não responsabilização penal dos menores de 18 anos:

“os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.

Tal dispositivo foi recepcionado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 228, cuja melhor interpretação permite concluir que o menor de dezoito anos é incapaz de compreender os atos que pratica, não devendo, dessa forma, responder pelas conseqüências penais decorrentes, tendo que ser considerado, portanto, inimputável para  fins  criminais.

Observe-se que esse raciocínio parece ter sido alcançado pelo legislador por meio do critério biológico, o qual se resume, na observação da formação física e psicológica incompleta do indivíduo que ainda não alcançou seus dezoito anos de idade.

Nesse sentido é o entendimento encontrado no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº. 8.069/90, que, além de conceituar o adolescente como um indivíduo entre doze e dezoito anos de idade, também assegura a este a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, propiciando, assim, os instrumentos necessários para o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social do adolescente, tendo como premissa as condições da liberdade e da dignidade humana.

Assim, trata-se de presunção absoluta que não pode ser ilidida, mesmo que se prove que o autor do delito possuía o devido discernimento ou, até mesmo, a plena capacidade de compreender as conseqüências de seus atos, nos momentos de suas realizações.

Como já dito, o ECA inspirou-se no critério biológico, que determina que o indivíduo, menor de dezoito anos, é objetivamente incapaz de entender por completo as conseqüências de seu comportamento, independentemente do seu conhecimento intelectual ou de sua educação. Tal posicionamento recebe críticas, como veremos ligeiramente ao longo deste trabalho.

Noutro diapasão, segue a regra da parte geral do novo Código Civil, em seu artigo 4º, que declara expressamente serem os indivíduos menores de dezoito e maiores de dezesseis anos  relativamente incapazes, isto é, não possuem aptidão completa para o exercício dos atos da vida civil.

Também desassiste razão aos que entrevêem no direito de votar – faculdade que se concede ao cidadão a partir dos dezesseis anos de idade, obrigação a partir dos dezoito –, suposta coerência para que daí se extraísse a necessidade de se estabelecer limite mais baixo, correspondente ao direito de sufrágio, para a incriminação de natureza penal.

Essa concepção, na sua origem, estriba-se no discernimento. Acontece que este argumento é o mais frágil de todos. Simplesmente porque o sistema legal no tocante a aquisição, perda e exercício de direitos de forma imperativa, não se baseia, em princípio, na capacidade de entendimento, mas, antes da capacidade, na idade.

Nunca se pergunta se ele sabe votar, assim como não se indaga da menina de dezesseis anos se ela sabe casar. Ademais, o deputado federal mais votado do país não pode se candidatar a senador, nem a vice, nem a presidente da República se não tiver completado 35 anos. Do mesmo modo, o mais hábil motorista não obtém sua habilitação legal antes dos dezoito anos. A capacidade decorre da idade. O critério é etário, sem exceção.

O implemento da idade também nos faz perder direitos. Veja-se, por oportuno, a aposentadoria compulsória. Quantos magistrados já foram “perdidos” pela judicatura no auge de sua capacidade intelectual, enquanto, vez ou outra, ficamos com os arroubos de jovens juízes recém empossados?

O critério para a maioridade penal é o da conveniência, imaginando-se que até os dezoito anos, provavelmente, mas só provavelmente, a expectativa de ressocialização é maior. Injusto ou não científico, o sistema etário, no entanto, tem a seu favor ser radical, abrangente, erga omnes, obrigando a todos sem exceção e, dessa forma, isonômico.

O critério psicológico ou bio-psicológico, cujo estudo poderá verificar se alguém é ou era plenamente capaz de compreender seus atos, respondendo pela respectiva pena em caso afirmativo, foi cogitado na reforma penal de 1969 (Código Penal que jamais entrou em vigor), e foi prestigiado no texto do Código Penal Militar, e admitia, em caso de reconhecimento de discernimento dos agentes, a imputabilidade penal entre os 16 e 18 anos. Entretanto esta idéia não vingou, por não se revelar apropriada, tendo merecido repúdio substancial por parte da comunidade jurídica brasileira.

Ultrapassados os tópicos conceituais, importa trazer à baila breve discussão em relação à possibilidade ou não de reforma constitucional da menoridade penal. A regra da responsabilidade penal advém do art. 228 da Constituição Federal de 1988:

“são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

E, por sua vez, o §2º do art. 5º da Carta Maior determina que:

“os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Note-se que ambas as regras, por força do que disciplina o art. 60, § 4º, IV, da CF/88, são consideradas por parte da doutrina como cláusulas pétreas, uma vez que não podem ser objeto de proposta de emenda que tenda a abolir os direitos e as garantias individuais.

Ad argumentandum, se não acreditássemos em tal impedimento, ainda poderíamos sugerir outra análise para a questão tal como posta, cabendo-nos demonstrar a desnecessidade de tal alteração, bem como reforçar o entendimento de que a prisão não traz benefício algum, sendo, infelizmente, ainda um mal necessário.

O Eminente DESEMBARGADOR ALYRIO CAVALIERI , autoridade no assunto, explica, em diversos textos apresentados em palestras, a razão de ainda termos entre nós aqueles que defendem a idéia do “sabe o que faz, deve ir pra cadeia”, ao dizer que “toda a desgraça começou em 1940, quando, ao explicitar o novo Código Penal, o Ministro Campos afirmou que os menores de 18 anos, porque IMATUROS, ficavam fora da lei criminal. Lá está escrito, em negrito, na Exposição de Motivos, datada de 4 de novembro de 1940.  E todos nós, a partir de nossos professores, e toda a comunidade fomos infectados, aceitamos e repetimos essa enormidade, a afirmação de que TODOS, TODOS os brasileiros abaixo daquela idade eram imaturos. O erro foi repetido na Constituição de 1988, com outras letras (a referência à imputabilidade), artigo 228,  no Código Penal atual, artigo 27 e no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 104. Todos os citados diplomas legais repetem as palavras “são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos””.

Continua afirmando o DESEMBARGADOR que “não há discordância em que imputabilidade é a capacidade de entender o caráter criminoso do fato e de determinar-se de acordo com tal entendimento. E responsabilidade é a obrigação de arcar com as conseqüências jurídicas do ato praticado, o que pode resultar no cumprimento de uma pena criminal. Note-se a contradição do Código Penal: depois de firmar-se na maturidade, fixa uma idade. O Código Penal consagra sua crassa erronia quando, no Título III da Parte Geral, trata da Imputabilidade Penal. Mete no mesmo compartimento da inimputabilidade o doente mental, o bêbado completo e fortuito e, pasme-se! o menor de 18 anos. E temos convivido com tal absurdo. Enquanto os dois primeiros sujeitos são irresponsáveis por causas nosológicas, o terceiro está fora do sistema penal por uma causa cronológica, a sua idade.”

Todo o apelo emocional que se insurge nos dias atuais e clama por uma pronta resposta do Judiciário não pode se sobrepor aos princípios expostos na Constituição Federal de 1988. Naturalmente, desejaríamos que a opinião pública tivesse conhecimento das regras constitucionais vigentes ou, ao menos, ciência de que são ou não são bem aplicadas pelo Estado. Infelizmente, na verdade, quer a grande parte de nossa sociedade resultados práticos na proteção ao bem maior, a vida. Nada mais justo.

Aliás, como dizer a qualquer um do povo que um indivíduo com dezessete anos de idade, empunhando hoje em dia fuzis, não tem discernimento do que faz? Acompanhando o raciocínio de muitos outros, parece-nos prudente buscarmos, também, responder se o cerceamento de liberdade é a solução.

Os episódios mais recentes, como o assassinato do menino João Hélio no Rio de Janeiro, que causou justa comoção, não estão sendo desconsiderados, porém a lei não deve ser modificada tão-somente à conta de eventos momentosos. Por mais que pese a dor dessas vítimas, entende-se que qualquer modificação imediata no peso da pena ou na redução da menoridade penal em nada alterará o quadro trágico vivido pelo sistema penal Brasileiro.

EVANDRO LINS E SILVA  afirmava que “não se ignora que a prisão não regenera nem ressocializa ninguém; perverte, corrompe, deforma, avilta, embrutece, é uma fábrica de reincidência, é uma universidade às avessas onde se diploma o profissional do crime”, concluindo o saudoso MINISTRO aposentado da Suprema Corte Brasileira que, se a severidade das penas fosse algo eficaz no combate à criminalidade, bastava estabelecer a pena de morte que os crimes desapareceriam com a só ameaça de sua aplicação.

Não devemos esquecer que a segregação do indivíduo é sempre medida excepcional e deve ser aplicada em última análise, ainda mais quando se constata que as condições das nossas prisões se mantêm as mesmas, ou mesmo piores, em quase trinta anos, como bem exposto em 1980 pelo eminente Professor WEBER BATISTA , que asseverava na Tese de Concurso para professor titular de Direito Processual Penal:

“A C.P.I. do Sistema Penitenciário, recentemente – a afirmação é de René Ariel Dotti – reconheceu que “grande parte da população carcerária está confinada em cadeias públicas, presídios, casas de detenção e estabelecimentos análogos, onde prisioneiros de alta periculosidade convivem em celas superlotadas com criminosos ocasionais, de escassa ou nenhuma periculosidade, e pacientes presos provisoriamente” (Separação dos presos, in Violência e Criminalidade, Forense, 1980, p, 149/ seguintes)
2. Os malefícios da prisão têm sido ressaltados pela doutrina com tal constância e uniformidade que se pode dizer, hoje em dia, que é praticamente unânime a conclusão de que a cadeia fracassou como meio de reforma do delinqüente. O que se apregoa, ao contrário, é sua nefasta influência na vida do preso, como verdadeira escola de criminosos, que é.”

Fosse publicado hoje em dia, o texto ainda seria preciso no relato das reais condições de nossas penitenciárias.

DOUGLAS HURD, político inglês, uma vez disse, sobre a eficácia do encarceramento que “a prisão é uma maneira muito cara de tornar as pessoas piores”. CLAUS ROXIN  ressalta “não ser exagero dizer que a pena privativa de liberdade de curta duração em vez de prevenir delitos promove-os” e sob essa bússola, aprumamos nossas conclusões.

É razoável entender que as penas privativas de liberdade devem ficar adstritas às sanções mais longas e aos condenados tidos como perigosos, violentos e de difícil recuperação.

De todo modo, ao menor há que se aplicar sua legislação própria e não a pertinente aos maiores de dezoito anos, infratores da lei penal. De resto, o cárcere é, as mais das vezes, cruel, desumano, degradante e estigmatizante. O que não dizer de sua aplicação em relação aos menores?

Se, como se diz não sem razão, a cadeia é a sucursal do inferno, de que maneira  estimá-la boa ou adequada para pessoas cujas idades as situam como de personalidade ainda em formação, com perspectivas de reinserção social, pelo menos melhores do que a dos que já se acham calejados por freqüentarem os caminhos do crime?

Diversas penas alternativas e políticas públicas estão em vigor para diminuir a criminalidade, mas não servem ao seu objeto por falta de vontade política. O sistema carcerário está falido. As políticas de internação de adolescentes e demais regras protetivas do Estatuto da Criança e do Adolescente não são observadas, nem mesmo cumpridas.

Portanto, a redução da menoridade em nada adiantará se as políticas públicas não forem respeitadas. É preciso que se exija seu o efetivo cumprimento, em uma reformulação do sistema carcerário e das formas de aplicação das medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Isto sem prejuízo da correta punição dos maiores de idade, sob pena de fomentar a escola da criminalidade dentro dos presídios e dos internatos brasileiros , em vez de punir ou de proteger.

Para não ficarmos tão-somente circunscritos à problemática do assunto, novamente trazemos à baila as ponderações do ilustre DESEMBARGADOR ALYRIO CAVALIERI – ex-juiz de menores do Estado da Guanabara e Membro Honorário da ASSOCIATION INTERNATIONALE DES MAGISTRATS DE LA JEUNESSE ET DE LA FAMILLE –, o qual aponta algumas sugestões que julgamos pertinentes, vejamos:

“A nosso critério, a solução para alcançar-se o suportável está em três ações:
1. Prevenção – o óbvio, as políticas governamentais nos campos da     educação, saúde, emprego, salário, habitação, seguridade, lazer.
2. A melhoria da qualidade dos profissionais que atuam nos estabelecimentos de menores e a destinação de verbas para aparelhamento dos internatos e abrigos.
3. A atualização da lei atual, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – que, depois de 16 anos de vigência, é alvo de dezenas de projetos de alteração no Congresso Nacional e de dois anteprojetos dos próprios autores do ECA, com proposta de edição de uma lei de aplicação de medidas sócio-educativas, que lhe altera alguns artigos. Nossa sugestão dirige-se à correção de algumas normas, no tocante à delinqüência: eliminação dos dispositivos que impedem que o menor de 12 anos, por mais grave que seja o crime em que se envolva, seja levado ao juiz, o que, além de sua impropriedade, é inconstitucional (Art. 5º XXXV); a correção dos prazos de internação, atualmente com o máximo de 3 anos e limite aos 21 anos; a criação de abrigos com privação de liberdade para menores de 12 anos, atualmente proibida; a introdução de deveres do adolescente internado, pois o artigo 124 contém 18 direitos e nenhum dever. Aliás, o ECA contém 54 vezes a palavra DIREITO/S e somente 9 vezes a palavra DEVER/ES e esta jamais se refere ao menor.”

Aliás, diante de tudo quanto tem vindo à baila, no cotidiano das grandes cidades, em face da norma em vigor, consubstanciada no Código Penal, mas em ordem a preservar, ainda sim, o limite de dezoito anos para a imputabilidade penal, filiamo-nos ao entendimento dos que pregam a modificação da regra do Estatuto da Criança e do Adolescente acerca da obrigatoriedade de libertação do interno, completados os vinte e um anos, quaisquer que sejam os atos infracionais praticados.

O tema se afigura pertinente, podendo-se cogitar de prorrogação a cada ano, mercê de exame médico específico, como permite o Código Penal nos artigos 97 e 98, na disciplina pertinente às medidas de segurança para os inimputáveis e mesmo, em alguns casos, para os semi-inimputáveis, fixando-se, por razoável, certo limite temporal de modo a impedir a perpetuação do encarceramento.

Em tais condições, caso se fixe nova regra para possível extensão das medidas sócio-educativas, necessária a criação de estabelecimento adequado no qual não se misturem tais infratores com os que tenham respondido por delitos, já alcançada a maioridade penal ao tempo dos fatos.

Por ora, ganha espaço tendência de se permitir a mantença de menores infratores, sob a tutela do Estatuto da Criança e do Adolescente, até o máximo de vinte e quatro anos de idade, solução não sedimentada para efeito de conclusão definitiva, em nosso sentir, razão por que qualquer alteração deve ser mais bem examinada, com maior reflexão sobre a matéria, cuja delicadeza é inegável.

Ciente de que nossas instalações penitenciárias ainda estão longe de oferecer o mínimo de condições dignas de tratamento para que se possa alcançar a ressocialização almejada, ou, ao menos, para que seja cumprida a pena imposta e tão-somente ela, sem que o indivíduo sobre o qual recaia tal penitência seja vitimado por todas as desventuras de um sistema desumano, pondera-se sempre, e muito, quando a única solução se traduza inevitavelmente na prisão.

O Direito Penal não é uma espécie de panacéia, apta a curar todos os males atuais de nossa sociedade diante do chamado fenômeno da globalização, o qual é utilizado para, acriticamente, justificar o incremento de tipos penais e seus consectários legais, precipuamente aqueles que se traduzem em medidas extremadas, como a prisão .

MARIA LÚCIA KARAN assinala que setores da esquerda punitiva não enxergam a contradição entre a pretendida utilização de um mecanismo provocador de um problema (direito penal) como solução para este mesmo problema (criminalidade) .

NILO BATISTA E RAÚL ZAFFARONI  afirmam existir uma competitividade discursiva simplista nas agências judiciais, sendo o produto final desta competitividade a criação de leis penais absurdas, disputas por projetos mais repressivos, sentenças exemplarizantes e uma opinião pública confundida e desinformada.

Sob esse contexto, podemos dizer ser um mito crer que a redução da maioridade penal melhorará a nossa política repressiva. Já possuímos leis em demasia, nosso maior problema é colocá-las em prática. Como diria JUSCELINO KUBITSCHEK, “o otimista pode até errar, mas o pessimista já começa errando”.